O que a depressão diz sobre nossa sociedade?

Os casos de depressão aumentaram 25% no mundo, no período da pandemia, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) em pesquisa publicada em março de 2022. Pelo caos que foi e que está sendo ainda? Sim, claro.

Além de toda a ansiedade, angústia e perdas que a situação pandêmica causou, estamos lidando com a Covid longa, os sintomas que foram desencadeados pós-covid, tanto físicos quanto psíquicos.

Mas a depressão vem crescendo há tempos.  De 2005 a 2015, houve um aumento de 18% nos casos, segundo a OMS. Não é novidade ser considerada a doença do século. Certamente você conhece alguém que passa por um processo depressivo, ou talvez esse alguém seja até você.

O depressivo é aquele que parou de sonhar, de desejar. O escritor   Andrew Solomon diz que “a depressão é a imperfeição no amor”, em seu livro O demônio do meio dia: uma anatomia da depressão.

O amor, aquele sentimento que nos abandona em alguns momentos, ou que deixamos nos abandonar, ou mesmo abandonamos. O amor entendido aqui não como um ideal romântico, nada disso. Mas a compreensão do amor como um sentimento de prazer. Prazer pela vida, pelas coisas incríveis e pelas coisas simples do viver.

A depressão tem vários níveis, e os sintomas não envolvem só tristeza. Às vezes podem ser muito sutis, o que torna difícil a pessoa perceber que está doente. 

Cansaço, uma fadiga aqui, um sono além do habitual ali, uma desconexão nas relações com outras pessoas, um retraimento, um comportamento que pode ser interpretado pelas outras pessoas como desleixo, como preguiça, tanto para os familiares, quanto para a própria pessoa.

Depressão:  parar de sonhar é um sinal de alerta!

Mas há um ponto em comum. Em um dado momento a pessoa desiste de sonhar. Desiste de desejar, de planejar o futuro e contemplar o presente. Qual seu sonho? Será que já o realizou? E agora, qual o próximo sonho? 

Você já se questionou sobre isso? 

Há pessoas que ao serem questionadas sobre seus sonhos, desejos, vontades, respondem coisas do tipo: “Estou bem assim!”, “Está bom!”, “Já tenho o que sonhei!”, “Não tenho muita ambição na vida!”. 

Será que você é essa pessoa?

Existe um outro ponto com relação aos sonhos de nossas vidas. Algumas pessoas em nossa sociedade ligam ambição com algo negativo, algo que não se deve ter, algo ruim. Porém um dos significados de ambição, é o desejo de alcançar algo, de realizar algo. 

A educação religiosa nos ensinou humildade e pobreza. Carregamos essa crença até hoje, e acabamos por nos conformar com uma vida na média. A pessoa para de pensar sobre o que gostaria de ter ou ser, porque inconscientemente, ou seja, de modo automático, associa ambição à pecado, a coisas erradas, cobiça, ganância.

Se você for uma pessoa religiosa certamente tem essa crença muito enraizada. Se não for uma pessoa religiosa, também tem, talvez um pouco menos, mas tem. E não me refiro à espiritualidade, mas sim à religião, como um conjunto de crenças, dogmas, que estão fechados à novas possibilidades de ver a vida.

Estou aqui para lhe dizer que não tem nada de errado em ser ambiciosa, ambicioso. Muito menos em ter ou não uma religião. Errado talvez seja não ter sonhos sempre, desejos, vontades e perspectiva de uma vida melhor a cada dia. 

Desejo de se superar, de celebrar suas conquistas, de querer buscar sempre o melhor, o SEU melhor. Sem comparações com outras vidas, outras pessoas, pois afinal a jornada é de cada um, e o que pode ser bom para o outro pode não ser para você.

Cada época tem seus sintomas

Claro que essa é uma perspectiva mais filosófica, mais poética para descrever algo tão devastador. E, nesse caso, é importante dizer que a depressão é uma doença, que necessita de acompanhamento com terapia, psiquiatria ou psicanálise, e por vezes, medicação. E que varia de indivíduo para indivíduo. 

Entretanto, refletindo sob uma ótica mais ampla, Freud propõe que a cada época a sociedade vai produzindo seus próprios sintomas, que derivam da forma como essa mesma sociedade se estrutura nos diferentes períodos históricos. 

Pode-se dizer então, que a depressão é um sintoma do nosso tempo. Uma desconexão do nosso Eu, que diz sobre o modo como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.

Ela não se instala de uma vez só, em um único instante: leva tempo, começa devagar, tímida, vai minando os prazeres do cotidiano, até alcançar prazeres maiores. 

Muitas pessoas podem confundir depressão com tristeza, e sem pensar muito dizer: “Estou deprimido(a) hoje!”, ao invés de dizer: “Estou triste hoje!”. A tristeza faz parte da vida, é um sentimento válido, que precisa ser levado em consideração e sentida. 

Ninguém é feliz o tempo todo, assim como ninguém é triste o tempo todo. A depressão é um estado crônico, não só de tristeza, mas de ausência de sentido, de significado na vida. 

Há preconceito contra a depressão

Ainda há certo preconceito, pois as pessoas não compreendem que as doenças psíquicas são reais tanto quanto uma infecção, uma febre, uma gripe, que por sua vez são somatizações de nossas dores internas. 

Fatores químicos no cérebro são mencionados, e medicamentos são prescritos para contribuir no tratamento. Mas um ser humano não é só uma questão de química, não é só um corpo: é preciso olhar para cada um de maneira holística.

Um ser humano é mais complexo, tem suas razões para sentir o que sente, e ser o que é. Razões essas que estão distorcidas, encobertas no inconsciente, esse lugar sutil que guarda todas as experiências vividas. 

Por isso a necessidade de compreender quais informações estão dispostas nesse inconsciente, quais informações carrega sem saber; o que move você pela vida, e também o que paralisa; como foi que a depressão chegou timidamente até você, talvez a ponto de sufocar no presente. Compreender esses aspectos é fundamental para uma reorganização interna e superação desse estado crônico.

Jéssica Dias é Psicanalista e aborda, no processo terapêutico, as causas dos desconfortos que levam à depressão, ansiedade, fobias, pânico, insônia, comportamentos autodestrutivos e insatisfação com a vida, entre outros transtornos. É formada em Psicopedagogia, Psicanálise e Constelação Familiar Sistêmica. Conheça mais sobre seu trabalho.